Juiz-forana de coração: Maria Geralda luta pelo espaço das regiões periféricas
Moradora da cidade há mais de 45 anos é conhecida por liderar movimentos sociais

Dona Maria Geralda de Souza Lopes, educadora da rede de economia solidária do Estado de Minas Gerais, tem 60 anos e mora em Juiz de Fora há mais de 45. É conhecida na Zona Sudeste da cidade pela atuação em diferentes bairros. Moradora do Retiro, conhece a história do lugar como a palma da mão. “Tem mais de 200 anos e é um dos (bairros) mais antigos do município. Foi criado por um decreto de Dom Pedro, que ou esse terreno para um barão. Aqui era tudo lavoura de café, da Fazenda da Floresta até a Ponte do Zamba, como conta a História. Os residentes são, em sua maioria, descendentes dos escravizados que colhiam a plantação”, explica.
Uma de suas primeiras lembranças de Juiz de Fora, onde chegou quando tinha entre 15 e 16 anos, é justamente de colher café no mesmo local. Inclusive,relembra que há cerca de 20 anos ainda existia uma senzala. Ela saiu da roça para a cidade, em que três de seus irmãos já moravam com a mãe. Aqui, moraram de aluguel por um tempo. “Depois, a Prefeitura doou um terreno para construirmos um barraco para morar. Só que não tinha água, luz, rede de esgoto e nem nada. Era muito difícil”, lembra com tristeza.
Nesse momento, o brilho nos olhos de Dona Maria Geralda, sentada em frente ao brechó onde trabalha, no Jardim Esperança, muda instantaneamente. Apesar das dificuldades vividas à época, ela destaca que seu pai, mesmo não sabendo ler e escrever, era uma pessoa consciente politicamente. “Ele sempre acompanhava o programa A Voz do Brasil. Quando cheguei e ei por esse momento, resolvi participar do Movimento de Moradia. O primeiro foi em 1980. Desde então, ei por diversos outros movimentos. Hoje, estou ligada à economia solidária e à Associação Cultural Lixarte, da Vila Olavo Costa, que sou vice-presidente. Todo mundo me conhece por ter essa militância de mais de 30 anos”, reforça com orgulho estampado no rosto.
Além do Retiro, bairro em que mora há anos, Dona Maria Geralda tem relação com o Jardim Esperança – não só pelo brechó. Foi presidente da Associação de Moradores do Bairro Retiro e constantemente fazia parceria com o presidente do bairro. “Assim, podíamos fazer as nossas reivindicações juntos, com mais força.” Resumindo: poucas pessoas, de Juiz de Fora ou não, têm relação maior com a Região Sudeste do que ela.

‘Falar da comunidade dói muito’
Os bairros mais distantes do Centro ainda são uma periferia, segundo Maria Geralda. “Precisamos falar dos quilombos urbanos. Juiz de Fora foi a última cidade a libertar os escravos, então existem muitos descendentes aqui. Eles estão nas beiradas de rios, favelas e em outros espaços periféricos. O Centro vê a gente com um olhar de desdém, como se nós não fôssemos capazes das coisas – o que não é verdade. Se hoje o Brasil é grande, quem construiu foi o meu povo, a minha ancestralidade: a cultura foi trazida do continente africano.”
A senhora se emociona ao entrar no tópico. “Falar da comunidade dói muito. A gente quase chora quando vai falar do nosso território. Por mais que eu não seja de Juiz de Fora, é uma cidade que vivo há mais de 45 anos. Por isso me emociono quando falo das dificuldades. Na roça, a gente tinha água e tomava banho no rio, tinha inhame, tinha peixe, tinha verdura. Aqui, tudo se compra. De início, achei bem estranho.”
Inclusive, uma lembrança carinhosa dela diz respeito a quando a Prefeitura entregou a escritura do terreno em que mora hoje, na Vila Santo Antônio. “Li uma frasezinha naquela época, eu ainda não tinha muito discernimento pois era bem nova, pouco mais de 20 anos: ‘o homem tem que ter direito à terra e à moradia, trabalho digno e transporte digno’. Lembro que falei essa frase no dia”.
JF do ado x JF do futuro
Como moradora de Juiz de Fora há quase meio século, Maria Geralda enfatiza que, no ado, a cidade era mais calma. “Hoje, há uma violência muito grande, que tem consequências da herança dos escravos. É uma violência política, social e que existe para não termos espaço para ocupar os nossos jovens. Muitos deles acham que o caminho do tráfico de drogas, por exemplo, é mais fácil. Mas não é. Precisamos de ações concretas, principalmente na nossa região”, ressalta.
“Do Parque das Palmeiras até o Bairro Caeté, o que temos para oferecer para a nossa juventude? Não há espaço de lazer, apenas algumas fábricas. Precisamos voltar àquela Juiz de Fora antiga, que todos se cumprimentavam com respeito. Não é porque eu moro aqui no Retiro ou no Jardim Esperança que devo ficar camuflada aqui: a cidade também me pertence. Temos nosso espaço na comunidade, mas o Centro também nos pertence enquanto cidadãos.”
Para o futuro, ela considera fundamental pensar nos jovens e nas comunidades. “Pensam que trazer grandes empresas é o desenvolvimento. Às vezes, é possível investir em um pequeno produtor, artesão ou cozinheiro, por exemplo. Juiz de Fora precisa investir nas comunidades, nos territórios, nos quilombos urbanos, para termos um grande resultado. Isso iria diminuir a violência e, consequentemente, as pessoas teriam um pensamento melhor”, finaliza.