Medo, dor e esperança: trabalhadores das UTIs contam como é a rotina nos hospitais
Há mais de um ano na linha de frente de combate ao coronavírus, profissionais da saúde relatam as mudanças que a Covid-19 impôs em seus trabalhos
Há 407 dias, o primeiro caso de Covid-19 foi confirmado em Juiz de Fora, em 14 de março de 2020. Desde então, a pandemia mudou a rotina de muitos de maneira inesperada. Muitas vidas se foram, mas outras milhares de pessoas conseguiram retornar para casa. Na linha de frente da luta contra o coronavírus e pela recuperação desses pacientes, mais de sete mil profissionais de saúde atuam em hospitais de Juiz de Fora, de acordo com o Gerencial da Prefeitura de Juiz de Fora, entre médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. E a rotina deles, em especial, nunca mais foi a mesma desde 14 de março do ano ado.
Os plantões de atendimento, que vão de 12 e podem chegar a 42 horas, são árduos. Muitas vezes não há tempo para pausas, pois enquanto novos pacientes chegam, outros sofrem complicações e precisam de procedimentos de emergência. Em meio à batalha diária e ao medo de se contaminar e levar o vírus para casa, os profissionais de saúde ainda se dispõem a trazer conforto e esperança para aqueles que são internados, que têm apenas estes trabalhadores como ligação com o mundo fora do hospital.
A Covid-19 é solitária para quem se contamina, mas os profissionais de saúde, com diferentes especializações, de diferentes setores e unidades de atendimento, mostram que, nessa batalha, não estamos sós. A Tribuna conversou com trabalhadores de saúde, acompanhou suas rotinas, abordando a atuação deles contra a Covid-19 em Juiz de Fora. Conheça suas histórias abaixo e depois veja o vídeo com o enfermeiro Pedro Ngola Cangundo, que trabalha em dois hospitais da cidade. Nos próximos domingos, novas entrevistas serão publicadas.
Simone atendeu o primeiro paciente internado em JF: a insegurança é permanente

Quando o primeiro paciente com a doença foi internado na cidade, a equipe médica ficou apreensiva. O coronavírus era novo e pouco se sabia sobre o que, de fato, era eficiente para evitar contaminação ou mesmo como a doença poderia evoluir. Simone Sodré de Oliveira Ferreira, técnica em enfermagem, trabalha no Hospital da Unimed Juiz de Fora e integrou o grupo que atendeu a primeira confirmação da Covid-19. De acordo com a profissional, hoje já há uma expertise para lidar com a doença, entretanto, a mesma não deixa de surpreender ou de trazer insegurança.
“No início, nós ficamos assustados. Era tudo novo, todo mundo com medo do que viria. No início, veio manso, todo mundo achou que era leve, que aria. Nós que estamos lá dentro vemos que não é isso, e a realidade é totalmente diferente. Especialmente agora, com essa segunda onda, que veio violenta e com força total”.
“Estamos ando por um grande desafio. Isso gera apreensão, medo, angústia. Estamos preparados, treinados e sabemos que essa é nossa missão, mas é um trabalho árduo de toda equipe”, completa Simone.
Preocupação com a família
Nesses 407 dias que se aram da pandemia, Simone se despediu de muitos pacientes e, com isso, veio o receio quanto à família. A técnica em enfermagem tem dois filhos, de 12 e 23 anos, e ambos têm problemas cardíacos. “Nós vivemos, diariamente, o medo de se contaminar e levar o vírus para casa para nossos filhos e familiares. Meus dois filhos já aram por cirurgia cardíaca, o que me deixa ainda mais apreensiva. Não vejo minha mãe há mais de um ano, isso porque moramos no mesmo bairro, mas não me sinto segura para visitá-la.”
A despedida dos parentes antes da intubação
Simone atua nas Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital da Unimed e do Hospital Monte Sinai. Toda semana, a, ao menos, 24 horas dentro do setor responsável por receber pacientes graves da Covid-19. Quando a demanda é maior, o plantão chega a ser de 36 horas, dividido em 24 na Unimed e 12 no Monte Sinai. Dentro das unidades, a técnica em enfermagem oferece assistência geral aos pacientes, que vai desde o banho à medicação.
O momento antes da intubação é um dos que mais chamam a atenção de Simone. Geralmente, a profissional ajuda o paciente a realizar uma chamada de vídeo com os familiares. Desta forma, ela presencia a despedida e os sentimentos dos dois lados: do paciente que anseia voltar e da família que não pode estar ao lado dele neste momento.
“Essa doença gera um processo de empatia. Quando você vê o paciente sozinho, com medo e o quadro se agravando a cada instante, é duro. O segurar em nossas mãos na hora de ser intubado corta o coração. Ouvir: ‘me promete que daqui a alguns dias vocês vão me acordar e tudo vai estar bem">
Rotina árdua impacta saúde mental
Em meio a sobrecarga de trabalho e às vivências profissionais, a saúde mental também fica prejudicada. De acordo com a professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Fabiane Rossi, fatores como o contato constante com a morte, a exposição ao risco e o medo de levar o vírus para os familiares, impactam no sofrimento psíquico, sendo este último um dos que mais causam ansiedade entre os trabalhadores.
“Tem também a ausência de reconhecimento do trabalho. Por mais que hoje em dia tenha se falado muito na importância dos profissionais de saúde, acho que grande parte dos desgaste que eles vêm presenciando ocorre em função do comportamento da população. Eles vêm se colocando em risco há mais de um ano e não têm observado um retorno por parte da população no que diz respeito ao cumprimento das normas de distanciamento e de uso de máscara, por exemplo. Isso gera muita frustração e impacta diretamente na saúde mental”, explica Fabiane.
Alguns sintomas já vêm sendo observados desde o início da pandemia, de acordo com a professora, que realizou um trabalho de plantão psicológico junto aos profissionais do Hospital Universitário (HU) da UFJF. Ansiedade, depressão, Síndrome de Burnout e estresse pós-traumático são alguns dos reflexos na saúde mental.
“O que temos orientado é que o profissional fique atento a sinais e sintomas relacionados a esses transtornos e que busque realizar algumas atividades que sejam fora do contexto laboral, que possam auxiliar na promoção dessa saúde mental”.
“Nem todo mundo vai demandar uma psicoterapia, mas cuidados básicos como a atividade física ou meditação, por exemplo, têm sido muito recomendadas para controle da ansiedade. O profissional pode ter estes cuidados mínimos, mas ainda deve ficar atento e buscar ajuda especializada quando necessário”, explica.