Poeta Otávio Campos lança o livro ‘Tatear os destroços depois do acidente’
A obra será lançada neste sábado (12), no Estúdio Galeria, a partir das 19h; evento conta com bate-papo com o próprio Otávio e com os também poetas Laura Assis e Victor Squella

Desejo e violência: palavras antagonistas que vez ou outra encontram paralelas. Tatear os destroços das atrocidades, sejam elas reais ou ficcionais, exatamente em busca daquilo que há em comum entre o sentimento e o ato. Otávio Campos já havia demonstrado em seus outros dois livros, “Os peixes são tristes nas fotografias” (2015) e “Ao jeito dos bichos caçados” (2017), que era no processo de montagem que encontrava sua forma de escrever: deixando visível o flerte entre construção de cenas cinematográficas e cenas literárias, com suas aproximações e distanciamentos. Mas em “Tatear os destroços depois do acidente” o escritor e editor parece unir ainda tantas outras situações que marcam claramente a influência do cinema, do desejo, da violência, da montagem e da narrativa na construção dos poemas que compõem o livro, publicado pela editora Macondo, idealizada pelo próprio autor. A obra será lançada em Juiz de Fora neste sábado (12), no Estúdio Galeria (Rua Marechal Deodoro 541, sala 209 – Centro), a partir das 19h, com bate-papo com Otávio e com os também poetas Laura Assis e Victor Squella.
No poema de abertura, “@blessedboy1993”, Otávio coloca em destaque o seu próprio processo de construção de “Tatear os destroços depois do acidente”. Nele, ele descreve o ato de selecionar filmes para montar um outro filme, e o que é, afinal, a montagem: uma finitude de escolher, cortar e colar com o desejo como grande guia. “Fazer o desejo dançar na montagem”, ele escreve, demonstrando o intuito de tudo isso. E por mais violento que seja seu terceiro livro, o desejo é ainda mais presente nas páginas.
E foi a partir de um desejo erótico que Otávio o construiu. “A montagem desse livro começou como um objeto de desejo, como eu acho que são todos os livros. Mas um desejo erótico que se dava a partir do olhar. Eu pensei em uma história em que eu me apaixono por um ator pornô. Mas me apaixono pela imagem dele que eu conheço dos filmes. E penso nas possibilidades de ter aquela pessoa pra mim, comigo, e fazendo o que eu quero, como se estivéssemos construindo uma relação. Então pensei em como fazer com que aquelas imagens (minha única forma de o a esse ator) fossem montadas de modo que ele se virasse pra mim, que ele olhasse pra mim, que ele fizesse o que eu queria. Um movimento ao mesmo tempo amável e violento, eu acho, com minha mão e com meu olho montando essas cenas a partir de fragmentos de filmes em que ele aparece. Isso é construir e é contar uma imagem a partir do desejo (desejo também de controlar aquele corpo, de controlar a significação sobre ele). Por isso o olhar tende a aparecer como um sentido privilegiado nas histórias desse livro. O olho em si, como um órgão erótico, consegue fazer a ponte entre o primeiro poema do livro e o que o fecha”, explica Otávio.
Entre o desejo e a violência: o ato
A violência está no livro na medida em que ela é propriamente despertada pelo desejo. “Tudo que causa paixão à alma / leva o corpo a praticar uma ação”, escreve Otávio no quarto poema que compõe a seção “Cinema Snuff”. Como um bom contador de histórias, o escritor narra as violências sofridas das mais diversas formas: o homem que matou a sangue frio um outro, seguindo os os de uma cena de cinema; a mulher que narra sua vivência com a esquizofrênica; o descobrimento de uma doença – e, em tudo isso, com um olhar de voyeur que acaba por colocar o leitor também nessa situação. “Uma coisa que me chamou a atenção nesses últimos anos foi o boom das narrativas de true crime em diversas mídias. É realmente impressionante o gozo que as pessoas têm em consumir histórias horrendas de crimes, de assassinatos, e eu não sei se é pelo fascínio pelo grotesco, ou pela espetacularização quase sexual das imagens que chegam aos olhos. Eu pensei, então, em uma aproximação entre essas narrativas de crimes e aquelas dos filmes pornográficos, e também aquelas que foram usadas para construir a face da loucura há alguns séculos. Acho que todas falam sobre morte, mas, em maior ou menor grau, sobre controlar a morte, sobre ter esse poder”, justifica.
“Acreditar é também um acordo”, diz um poema
“Tirar uma foto é participar/ da mortalidade, da vulnerabilidade/ e da mutabilidade de alguém ou de si próprio./ Posar é reconstruir para si/ um corpo de reposição para o resto/ futuro da semelhança./ Posar é uma microexperiência/ de morte./ Gozar também é assim”, ele escreve em outro poema. Entender a construção da realidade e a representação do mundo através das imagens é também o que o instiga a escrever “Tatear os destroços depois do acidente”. Para isso, assim como em outros momentos, Otávio traz à tona pensamentos de outros escritores sobre o tema que aborda: como se ele unisse escrita acadêmica, poesia e romance em um mesmo livro. E de maneira proposital. Afinal de contas, o livro começou a tomar forma quando ele começou a escrever a tese. O romance, para ele, é a própria história contada. “Acho que o que eu sempre gostei de verdade nos livros e nos cinemas é da história que é contada. Eu gosto de ouvir histórias, saber delas, mas também de contá-las – isso tem a ver com a invenção e com a magia”, conta.
O corte preciso
Mas só no corte da poesia, naquilo que ele chamou de censura, é que o livro poderia, realmente, acontecer. “Toda a linguagem do livro é também montagem. É fratura e corte de coisas que foram ditas por outras pessoas. Eu queria contar uma história que se desse a partir de fragmentos. Alguns fragmentos eu criei aqui mesmo, na minha sala de montagem, outros recortei de legendas de documentários, matérias de jornais, livros técnicos e literários, e tudo mais que eu pude ter o durante esse percurso. Colocar esses escritos dispostos em versos foi minha maior intromissão nesses trabalhos que não eram originalmente meus. Daí também sua inevitável aproximação com a violência. É como criar um corpo novo a partir do esquartejamento daqueles corpos antigos. Mas eu queria trabalhar com essas imagens como se fossem cenas de um filme, por isso a roupagem poética, porque acredito que a poesia e suas censuras, o seu corte explícito, consegue produzir alguns efeitos imagéticos (e também sonoros) que a aproxima da linguagem do cinema.”
“Tatear os destroços depois do acidente” recupera, ainda, um trabalho que Otávio exerce desde quando criou a Macondo. Como editor, ele é também um montador. “Os autores escrevem textos, e o processo editorial (e todas as relações que ele desperta) faz os livros. O editor é essa mão, muitas vezes invisível, que monta o livro e entrega para os leitores uma possibilidade de realidade da escrita a partir daquele esboço que o autor faz. Meu trabalho como editor é um trabalho de montador. Foi esse processo de relação, que tem me acompanhado durante meus anos na edição, que eu utilizei tanto para pensar e fazer minha tese, quanto para construir e editar o “Tatear os destroços depois do acidente”. Acho que isso também justifica eu ter ficado um tempo sem conseguir escrever poemas, porque era como se eu estivesse escrevendo e publicando todos aqueles livros que faço aqui na editora”, finaliza.